'Raízes': centro financeiro, Faria Lima era várzea do rio Pinheiros há cem anos
Em um século, as terras de várzea próximas ao rio Pinheiros se transformaram no centro financeiro do país.
A história do Itaim Bibi começa na virada do século 19 para o 20, com a chegada dos Couto de Magalhães -até hoje presentes nos nomes de várias ruas da região. Foi a família que começou o processo de loteamento das terras, então rurais, nos anos 1920.
"Vi os primeiros predinhos de três andares aqui no bairro, no começo dos anos 50. A partir dali, o Itaim não parou mais de crescer", relembra o biólogo e presidente da Associação Grupo Memórias do Itaim, Helcias de Pádua, que chegou ao bairro com apenas um ano de idade, há 69 anos.
Raquel Cunha/Folhapress | ||
Edificio Patio Malzoni abriga a Casa Bandeirista, na avenida Faria Lima |
O embrião do bairro surge quando o ex-governador de São Paulo, o general e sertanista José Vieira Couto de Magalhães, compra, em 1896, um terreno -a chácara Itahy-, que provavelmente corresponde aos atuais bairros do Itaim Bibi, Vila Olímpia, Vila Nova Conceição e parte do Ibirapuera.
Ele morreu dois anos depois, sem nunca ter habitado o lote. Depois disso, o terreno passou a seu único filho, que logo o perdeu, após se afundar em dívidas. Por sorte, um tio, empresário de Itu, resgatou a propriedade das mãos de credores, em 1907.
Leopoldo Couto de Magalhães então se mudou para a fazenda, trazendo um de seus filhos, Leopoldo Couto de Magalhães Júnior -o "seu Bibi".
Leopoldo pai e filho viveram na chamada "Casa Bandeirista" (construída no lote para abrigar bandeirantes) até os anos 1920. Depois, ela foi vendida e transformada em sanatório psiquiátrico.
Quanto ao terreno, Bibi decidiu dividi-lo em 30 chácaras, que foram loteadas a comerciantes italianos e portugueses. Um empresário português comprou a parte baixa da propriedade, mais sujeita a alagamentos. Ele, por sua vez, fez novos loteamentos, desta vez menores, atraindo famílias de operários.
Quando a companhia Light chega à região, em 1927, o avanço se acelera.
A empresa inicia obras de aprofundamento do rio Pinheiros e de inversão do curso fluvial, para levar as águas do Tietê à represa Billings. As medidas, somadas à canalização dos córregos locais, resolveram um dos maiores problemas na área: as constantes inundações.
Pádua se lembra que, em sua primeira casa no bairro, numa travessa da avenida Hélio Pellegrino, os alagamentos eram frequentes. "Mudamos logo, porque a água subia em qualquer chuvinha."
MODERNIZAÇÃO
Seu Bibi viveu no Itaim até morrer, em 1961, aos 90 anos. Ele virou nome de rua: Leopoldo Couto de Magalhães Júnior. Já a João Cachoeira foi homenagem de Bibi a um grande amigo, filho de escravos, empregado de confiança.
Outras vias foram nomeadas pela família: a rua Iaiá (nora de Bibi), a travessa Arnaldo Couto de Magalhães (filho de Bibi) e a rua Brasília (teria sido homenagem à esposa de Bibi, Brasiliana).
O desenvolvimento da área se intensificou no final dos anos 1940, com a canalização dos cinco córregos que cortavam a área. Nas décadas seguintes, a av. Faria Lima torna-se um corredor comercial, é prolongada, e, nos anos 90, ganha prédios envidraçados.
Em 2010, a incorporadora Brookfield vendeu ao Grupo Victor Malzoni um terreno por R$ 600 milhões, R$ 17,7 mil o m² -até então o maior preço já pago por um lote no Brasil. No lugar, foi erguido um gigante prédio comercial, bem em cima da Casa Bandeirista. Um vão livre de 45 m de comprimento por 30 m de altura permite que a casa histórica continue ali. Por enquanto, o local ainda não foi aberto à visitação.
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Veja curiosidades históricas sobre a região.
ESCAMBO
Hoje sede do governo paulista, o Palácio dos Bandeirantes foi comprado dos Matarazzo. A família começou a construir o local em 1955 para fazer uma universidade, mas teve que interromper as obras por falta de dinheiro. A solução veio em 1964, com o então governador Adhemar de Barros: ele perdoou a dívida milionária do grupo industrial em troca do palácio.
SANATÓRIO
Antes de ser reformada, a Casa Bandeirista, antiga residência da família fundadora do Itaim, Couto de Magalhães, funcionou como sanatório, a Casa de Saúde Bela Vista. Fundada pelo médico Basílio Machado em 1927, a instituição funcionou até 1980, tratando pacientes psiquiátricos e dependentes químicos de famílias ricas.
ÍNDIOS E PÁSSAROS
Moema já foi bairro de operários. Na década de 30, imigrantes italianos, húngaros, alemães, entre outros, viviam nas ruas que, até hoje, levam nomes indígenas. Do outro lado da avenida Ibirapuera, ficavam as famílias ricas, nas vias com nomes de pássaros.
ALAMEDA MARIGHELLA
Em 1989, o guerrilheiro Carlos Marighella foi assassinado em uma emboscada na alameda Casa Branca, no Jardim Paulista. Hoje, uma pedra de granito relembra o incidente, na altura do número 815 da rua -a inscrição, no entanto, frequentemente é arrancada. Vez ou outra ainda surgem pixações no asfalto ou em placas recordando o líder da Ação Libertadora Nacional.
LUXO PARA AS MASSAS
Reduto histórico da elite paulistana, o Jockey Club de São Paulo é hoje acessível para as massas: R$ 2 é a quantia mínima para apostar em uma corrida. O tradicional clube de turfe foi fundado em 1875, mas apenas em 1941 se instalou no Hipódromo de Cidade Jardim, onde até hoje são realizadas as corridas de cavalo -além de eventos regados a champanhe nos quais as mulheres costumam vestir chapéus extravagantes.