Itaim/Vila Olímpia

Fotógrafo registra em livro detalhes do dia a dia do bairro em que vive desde 1986

Raquel Cunha/Folhapress
SAO PAULO - SP - 13.04.2016 - Especial Morar Vl Olimpia e Itaim. O fotografo e artista plastico Fernando Stickel, 67, morou na Vila Olimpia por 20 ano e fez um livro sobre o bairro. (Foto: Raquel Cunha/Folhapress, SUP-IMOVEIS) ***EXCLUSIVO***
O fotógrafo Fernando Stickel

Artista plástico, fotógrafo, blogueiro e agora executivo do terceiro setor, o arquiteto Fernando Stickel, 67, vive na Vila Olímpia há 30 anos, época em que o bairro ficava submerso nas águas do córrego Uberaba, onde hoje fica a avenida Hélio Pellegrino. Pelas lentes de Stickel e pelo bairro, retratado no blog "Aqui Tem Coisa", iniciado em 2003, passaram diferentes tribos: motoqueiros dos anos 1990, inferninhos "de quinta categoria" dos anos 2000 e agora executivos dos prédios espelhados e estudantes do Insper e da Anhembi Morumbi.

Stickel, que nos anos 1990 manteve um loft e ateliê de 2.000 m² até se render à especulação imobiliária local, chegou fotografar os prédios espelhados que surgiam na região, mas não gostou do resultado. Preferiu retratar detalhes de fachadas, tapumes de prédios em construção, porta e janelas do bairro. O trabalho motivou uma exposição na Pinacoteca e virou o livro "Vila Olímpia" em 2006 (ed. Terceiro Nome).

Leia trechos da entrevista feita na Fundação Stickel, ONG que faz trabalhos na Vila Nova Cachoeirinha e na Vila Brasilândia (zona norte).

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Folha - Como era a Vila Olímpia quando você chegou?
Fernando Stickel - Estou no bairro desde 1986. Construí um loft na rua Ribeirão Claro com a Fiandeiras –era meu estúdio e residência. A Vila Olímpia era um bairro pobre. A Hélio Pellegrino era um córrego imundo com uma favela. Quando chovia, a água subia mais de um metro.

O bairro inteiro tinha tecnologias diferentes para conviver com as enchentes: escadinha, rampa... Eu tinha um portão com gaxeta de borracha, que virava uma comporta para barrar a água.

Foi assim até que veio a obra que canalizou o córrego. Em seguida, saiu a nova Faria Lima. Aí o bairro explodiu.

E a sua história de fotógrafo?
Minha história de fotógrafo começa em 2003, quando montei o blog "Aqui Tem Coisa". Falava do meu filho, minha mulher, meu cachorro e do bairro. Ainda não tinha máquina digital. Comprei e saí fotografando como doido. Participava do Fotolog, um serviço de blog de fotografia que acabou de morrer. Fui formando uma visão das ruas do bairro que acabou gerando três anos depois a mostra na Pinacoteca e o livro.

A máquina fotográfica tem a mesma característica de um pincel —mas, no lugar de tinta e pincel, tem uma máquina. A visão é de artista plástico. Tanto que muitas pessoas falavam que era uma pintura.

O que as fotos mostram que não existe mais?
Tem tapume, fachada, janela, porta, portão; algumas coisas ainda lembro onde estão, outras foram embora há décadas. Era um bairro de casinhas, oficinas mecânicas, borracheiros, botequinhos, papelaria, mercadinho de bairro. O que era um barzinho de esquina, hoje virou um restaurante de quilo. Esses bares da esquina da Quatá e Nova Cidade começaram na fase áurea dos motoqueiros. Aqui era point dos motoqueiros. Depois vieram os inferninhos. Eram boates de quinta categoria.

Onde estão esses moradores?
O borracheiro foi embora; não cabe mais aqui. O mercadinho foi comprado ou fechou. E assim tudo foi se modificando. Um dia vem o mercado imobiliário e toca a sua campainha. Ligavam todos os dias: eram corretores, incorporadores...

Não adianta lutar contra, então vamos fazer da melhor forma possível. Vendi o terreno para uma sinagoga, que ficou linda. Pelo menos, não foi um predião.

Os moradores da Vila Olímpia foram organizados e tiveram voz no desenvolvimento do bairro, como ocorreu no Itaim, onde a população ajudou a conservar o patrimônio histórico?
Sim. O cidadão quando pode se organiza e põe o dedo na ferida. Qual é o valor disso? Existe, mas o poder econômico é maior. Na minha visão, o poder público é totalmente omisso –não regulamenta, não fiscaliza e é vendido. O resultado é essa cidade completamente desestruturada e carente de infraestrutura.

Você tentou fotografar os prédios espelhados?
Quando comecei, achava que também iria fotografar os espelhados. Tentei, mas não faz minha cabeça. Outros fotógrafos vão fazer mil vezes melhor, provavelmente não tiram a foto do detalhe como eu. Até porque esse tipo de detalhe está sumindo.

O que seria o detalhe dos prédios espelhados? A grama amendoim do paisagismo?
É tudo muito igual. Talvez você vá achar pessoas interessantes que passam na frente desses prédios.

Você tem nostalgia daquela Vila Olímpia?
Minha nostalgia não vai para dez anos atrás. Vai para o Guarujá dos anos 1950, onde eu cresci. Não tenho saudade do tempo dos botecos, era infernal! Demorava 45 minutos para andar dois quarteirões. Depois, assim como veio, também foi embora.

Hoje diria que é um bairro tranquilo. Faço tudo o que preciso a pé. Andei durante muito tempo de moto até que tive um acidente. Tentei andar de bicicleta, mas fui atropelado por um motoboy, ainda antes da ciclovia.

Almoço com os estudantes e executivos. Essa mistura é excelente. Eu vi na Vila Olímpia uma transformação não só de cidade, mas de vida. E acho ótimo que vá embora essa minha vizinha [aponta para o sobradinho em frente, com placa de vende-se], que mandou derrubar uma árvore linda porque sujava a casa dela.

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