Perdizes/Vila Leopoldina

Ladeiras da preguiça: ruas de Perdizes testam o fôlego de moradores e viram galeria de arte

Só de olhar dá preguiça. E cansaço. E vontade de nem dar o primeiro passo. Haja fôlego para enfrentar as ladeiras de Perdizes (zona oeste).

É sempre um sufoco. As ruas íngremes atrapalham quem precisa estacionar o carro, os que andam de bike e a pé e até os cachorros, que ficam com a língua de fora.

Rubens Otaviano, 80, ensina uma regra quando sai de sua oficina mecânica e olha o grande declive da rua Ministro Gastão Mesquita.

"Nada de andar por elas a pé. É burrice. Só de carro", diz ele, que afirma ser mais cansativo percorrer o bairro do que pintar um carro inteiro.

A empresária Maria Gondor, 56, vai além. "Nada de carro 1.0. Ele 'chora' na subida, 'morre' e te deixa na mão. Comprei um jipe e resolvi meu problema", afirma.

A babá Terezinha Maria Santos Souza, 58, é do bloco dos "sem-carro". Ela sobe a rua Bartira, pega a filha dos patrões na escola, faz feira e anda pelo bairro todos os dias. Tudo a pé. "É uma dor nas pernas", reclama.

As lamentações dos moradores são constantes, mas há quem enxergue um lado bom. Na rua Apinajés, a psicóloga Ana Paula Montanari, 26, caminha com a cachorra Sophie. "É bem difícil, mas eu vejo uma vantagem: Sophie sempre se cansa rápido. Enfrentamos uma ladeira e logo voltamos para casa", conta.

O "dog walker" (passeador de cachorro) Rodrigo Antonio Rosa, 30, também vê o sobe e desce como uma fonte de energia e renda. Todos os dias, ele e a namorada, Ariadne Fiore, 28, percorrem um circuito de ruas do bairro com 40 cães. Começam às 6h e só terminam 12 horas depois.

"Os animais são uma diversão. No final do dia, apesar de cansado, a minha mente está muito mais livre", diz Rosa.

E complementa: "ganho mais sendo passeador do que marqueteiro. Tiro, em média, entre R$ 3.000 e R$ 4.000", explica ele, que lida com cachorros há cinco anos.
Francisco Gomes, 62, que tem um ponto de táxi em Perdizes há 23 anos, faz um gesto de sobe e desce com as mãos para descrever a pior ladeira da região, na sua opinião. "É a da rua Paris [no Sumarezinho]. Se o motor do carro não está bom, nem adianta tentar subir."

Mas ninguém conhece tão bem a via-sacra de subir e descer as ruas de Perdizes quanto Júlio César Xavier, 46. Carteiro há 26 anos, ele diz que o sacrifício aumenta nesta época. "É quando sai o boleto do IPVA [imposto veicular]. Como todo mundo tem carro, é trabalho dobrado."

BICHOS URBANOS

As ladeiras de Perdizes não são só sinônimo de reclamação. Elas também viraram uma galeria de arte a céu aberto. Uma das obras está pintada na rua Caiubi.

Lá, um sapo verde gigante e de olhos amarelados pintado no asfalto parece pular em meio aos carros, subindo o morro. A inspiração é do artista plástico argentino Tec, 40, que mora em São Paulo há quatro anos.

"Pinto bichos urbanos. A fauna oculta da cidade que se impõe nessa massa de concreto", afirma. Os desenhos, diz o artista, funcionam como um "respiro" na vida agitada da metrópole. "Sempre alguém para e admira. As crianças são as que mais se divertem com as pinturas."

O artista, natural de Córdoba, diz que se surpreendeu com a inclinação das vias do distrito. "A minha cidade é totalmente plana. Em Perdizes, as ladeiras se apresentaram para mim como telas."

Agora, Tec quer refazer o seu primeiro grafite na região: a lagartixa.

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